A verdade sobre a desdolarização

Categoria: Mais Notícias Escrito por José Raimundo Feitosa

dolareA economia, mesmo que no global aponte caminhos, ela não significa a curto prazo as mesmas ações de seus atores, de forma sincronizada e recorrente. O que devemos entender é que o processo de aparente debilitação do dólar, pode não interessar ao paradigma atual, mas ser um passo provável de mudança ao longo prazo.  O yuan chinês pode reivindicar maior protagonismo global após a crise do teto da dívida dos EUA?  Por certo o impasse de meses no teto da dívida em Washington pode ser um momento decisivo para o yuan, mas qual deve ser o momento diante da larga propriedade de títulos estadunidenses pelos chineses? A derrocada do dólar de forma abrupta, mesmo que improvável, geraria perdas importantes para a China.  

A título de exemplificação, em momento pouco comum, a tentativa de reforçar o yuan chinês, um organismo de regulação supervisionado pelo banco central do país, fomentou a diretriz para principais bancos estatais para baixarem as taxas de juro dos depósitos em dólares nestes últimos dias. O yuan perdeu mais de 6% em relação ao dólar desde as máximas atingidas em janeiro, quando a China abriu suas fronteiras, tornando-se uma das moedas asiáticas com pior desempenho este ano. Ele foi negociado pela última vez a 7,1199 por dólar. Na prática é encorajar as empresas chinesas, especialmente as exportadoras, a liquidar as receitas cambiais em yuan, que enfraqueceu para mínimas de seis meses em relação ao dólar. A moeda estadunidense aquecida e os aumentos das taxas de juros do Federal Reserve levaram muitas empresas chinesas a acumular recebíveis em dólar.  Assim, as taxas de juros oferecidas pelos bancos chineses em depósitos em dólares de US $50.000 ou mais agora seriam limitadas a 4,3%, disseram as pessoas. A mudança entrou em vigor nesta terça-feira, disseram eles, acrescentando que as novas taxas que os grandes bancos podem oferecer devem ser reduzidas em até 100 pontos-base em relação ao teto anterior de 5,3%.

Outro sinal é a declaração do ministro das Finanças da Rússia: "Não desafiamos o dólar, o dólar desafiou a Rússia".As sanções ocidentais forçaram Moscou a procurar "mecanismos alternativos confiáveis de solução", observa Anton Siluanov. Mesmo que a Rússia sendo forçada a se separar do dólar no comércio e começar a procurar novos mecanismos de liquidação devido às sanções ocidentais impostas a Moscou, significa uma ação no curto prazo que não ambiciona, baseado na realidade, submergir a moeda estadunidense no ostracismo.  A declaração veio em referência ao desenvolvimento do sistema de pagamentos BRICS Pay, que pode se tornar uma característica do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do bloco. “É uma nova tarefa para o banco e pode ser realizada com base em novos sistemas, novos ativos financeiros digitais”, disse ele.

Não foi pouco o sentimento de receio no mês passado sobre o compromisso político do teto da dívida de US$ 31,4 trilhões dos Estados Unidos, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, estava entre os que esperavam um bom resultado à medida que o relógio se aproximava do prazo. Segunda-feira era a data limite para os EUA poderem ficar sem recursos para pagar suas dívidas, uma possível realidade que debilitaria significativamente a classificação de crédito soberano dos EUA e a confiança global no dólar, abrindo mais oportunidades para a China. "O mundo está observando", disse Georgieva. "Pensamos no mercado do Tesouro dos EUA como uma âncora para o sistema financeiro global; e essa âncora precisa manter algo sólido." No mercado a abordagem é que o impasse de meses do teto da dívida dos EUA, juntamente com ameaças de dissociação dos EUA e uma sucessão de aumentos das taxas de juros dos EUA, pode ser um momento decisivo para a moeda chinesa. o que levou comentários como: "A estabilidade financeira internacional é vantajosa para a China, mas ela tem que ser liderada pelos EUA?", questionou o professor Liang Yan, economista da Universidade Willamette, no estado americano de Oregon. "Está provado que os EUA não são um grande líder neste sistema."

Neste contexto se mira as alterações para cima das taxas de juros pelo Federal Reserve, totalizando 500 pontos-base nos últimos 14 meses, que tem suga recursos e cobranças financeiras sobre muitos mercados emergentes, e eles tiveram que se esforçar para reforçar suas reservas cambiais e bases econômicas para enfrentar a investida de Washington contra a alta inflação.

A China nesta engrenagem mundial tem ferramentas que são verdadeiras armas econômicas, como  incluindo em yuan em projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, acordos comerciais via sua moeda com grandes parceiros comerciais, promoção do yuan digital e diversificação de reservas não em dólares,  que  numa ação mais forte teria com certeza a força derrocar ordem financeira mundial impulsionada pelo dólar dos EUA.Ao analisarmos a economia chinesa, a segunda maior do mundo, mostra-se clara que ela sai de um modelo dependente das exportações para um mais focado no consumo interno e uma forte dependência das importações de bens como petróleo e alimentos. O significado atualmente é de um mecanismo financeiro centrado nos EUA que via a China atrair investimento em dólares americanos em fábricas voltadas para a exportação e, em seguida, usar os dólares americanos que ganhou para investir em títulos do Tesouro dos EUA de baixo rendimento. "A China acredita que o sistema liderado pelos EUA, especialmente a hegemonia do dólar americano, inclui regras que jogam contra os interesses da China", disse Sun Yun, diretor do programa China do Stimson Centre, de Washington. "Portanto, minar gradualmente a credibilidade dos EUA e revisar esse sistema é do interesse da China no longo prazo."

Mas isto teria desdobramentos como perder poder de intervir no seu sistema financeiro, é uma das razões que o yuan não poderia substituir o dólar "no futuro previsível". A abordagem dos economistas aponta preocupações com os controles da conta de capital de Pequim, que limitam a conversibilidade do yuan. "O maior obstáculo a esse objetivo não é apenas o papel arraigado do dólar americano, mas também é fundamental a relutância de Pequim em tirar a mão de seu sistema financeiro e afrouxar a conta de capital", disse Dexter Roberts, diretor de assuntos da China do Centro Mansfield da Universidade de Montana. "Até que isso aconteça – um movimento que, por definição, significa diminuir o controle do partido sobre a economia e permitir, por exemplo, que bancos independentes decidam para onde emprestar, e isso pode levar à fuga de capitais – outros países não estarão dispostos a manter reservas substanciais de yuans." Logo, uma postura conservadora de reformar seu regime monetário de deve sobre dar ao yuan mais flexibilidade no uso internacional. Em relação ao yuan, o governo chinês sempre enfatizou a promoção ordenada da internacionalização do yuan, e não buscará ativamente substituir o dólar americano no curto prazo, e será mais cauteloso sobre os riscos trazidos pela rápida abertura de seu mercado financeiro.

Um parâmetro realista seria que o uso internacional do yuan reflita a participação de 18% da China no Produto Interno Bruto global. De premissas que medem seu peso de 12,28% na cesta de direitos especiais de saque do FMI é o mais próximo dessa marca, em comparação com 2,29% para pagamentos internacionais, 4,72% de financiamento comercial e 2,69% de reservas do banco central. É perceptível progressos nos acordos comerciais entre a China e seus parceiros. Pequim conseguiu alavancar sua vantagem comercial para aumentar rapidamente o uso da moeda chinesa. Oito países, incluindo Rússia, Brasil, Argentina, Arábia Saudita e Tailândia, aceitaram o yuan como pagamento por petróleo, gás e uma usina nuclear, e esse impulso deve crescer graças aos grandes acordos comerciais e ao envolvimento da China nos Brics. Este processo reduz simultaneamente o acúmulo de reservas em dólares da China. Devemos destacar projetos no exterior, como estradas, ferrovias e aeroportos, sob a Iniciativa Cinturão e Rota, de 10 anos, como forma de facilitar o comércio e o investimento, acelerando os fluxos de yuan para mais de 60 países na Ásia, África, Europa Central e Oriental e América do Sul.

A verdade mais forte é que ' a demanda por dívida dos EUA mudará com as mudanças na geopolítica e nos padrões econômicos e comerciais'. Concluindo na base de dados, a China é o segundo maior detentor da dívida pública dos EUA, atrás apenas do Japão. A China detinha US $869,3 bilhões em dívidas desse tipo em março, ante US $848,8 bilhões em fevereiro, com os títulos do governo dos EUA representando cerca de 27% das reservas cambiais da China. Em quase 13 anos, neste último março, a China elevou suas participações em dívida dos EUA após sete meses de reduções, o pico de acúmulo foi em 2014 e vem caindo lentamente desde então.

Mesmo para aqueles que esperam que o sistema monetário multipolar surja mais proximamente, o provável e realista é que seja liderado pelo dólar pela razão de que seus concorrentes teriam dificuldades para afrontar sua escala, segurança e conversibilidade na íntegra, além do peso geopolítico e bélico dos Estados Unidos, algo incontestável. Entretanto, mesmo que em probabilidade menor, se os erros estadunidenses se repetirem diante dos sinais colocados, se a confiança nas instituições dos EUA diminuir, as sanções econômicas se multiplicarem e o protecionismo aumentar, o final pode ser diferente.

Por Tulio Ribeiro