Em entrevista exclusiva ao ge, treinador faz balanço de sétima passagem pelo clube, diz que perda do tetra brasileiro ainda dói e fala também sobre o que vem pela frente na carreira
Abel Braga deixou Porto Alegre para voltar ao Rio de Janeiro horas depois do empate em 0 a 0 com o Corinthians, no Beira-Rio, em 25 de fevereiro, pela 38ª e última rodada do Brasileirão. De lá para cá, duas semanas se passaram, o técnico recebeu o prêmio de melhor do campeonato e retomou a rotina de caminhadas à beira da praia. Mas ele fez tudo isso tomado pela sensação de que o título do Brasileirão foi tirado do Inter.
É quase uma sombra que persegue insistentemente o treinador sempre que pisa as calçadas do Leblon. Uma indignação que faz questão de externar em uma hora de entrevista exclusiva ao ge, conduzida sem amarras, com a sinceridade costumeira de Abelão.
O técnico garante que não houve desonestidade ou maldade. Mas questiona decisões seguidas da arbitragem contra o Inter nas duas últimas rodadas. Especificamente a expulsão de Rodinei por Raphael Claus na derrota por 2 a 1 para o Flamengo, no Maracanã, na penúltima rodada, e o pênalti que Wilton Pereira Sampaio marcou e depois revisou com auxílio do VAR no empate em 0 a 0 com o Timão.
"Tiraram. Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Não estou dizendo que foi de maldade ou que são desonestos. Mas foi um prejuízo grande. Os erros foram somente direcionados para um lado, contra o Inter. Os caras mereciam, porque foi um time de caras dignos, time de operários, lutaram até o último minuto, mas infelizmente tiraram, eu considero, de forma absurda"
Deixar escapar o que seria o tetra do Inter no Brasileirão após 41 anos ainda dói no técnico que deu ao clube sua primeira Libertadores e o Mundial em 2006. Mas Abel também fala do que vem pela frente, ainda sem planos concretos. Foi sondado para estrelar uma série documental sobre sua vida e para voltar a trabalhar nos Emirados Árabes. O técnico quer ser homenageado em vida. E não descarta até mudar de função no futebol.
Passado, presente, futuro... Abel Braga fala sobre tudo isso e, volta e meia, aparece o nome do Inter. Sua "alma gêmea", como diz o técnico recordista em jogos na história do clube nas linhas a seguir.
CONFIRA A ENTREVISTA
Abel Braga: Dói. Sempre que alguém comenta, principalmente os amigos, até pessoas que não torcem para o Inter, lamentam. Porque dessa vez foi de uma forma cruel, foi mais ou menos parecido com aquela do próprio jogo contra o Corinthians, na expulsão do Tinga. Porque todo mundo dava três equipes como grandes favoritas, e chagamos até a penúltima rodada com pontuação superior ao Flamengo. Aí, teve aquele lance absurdo da expulsão. E mesmo assim, não terminou, fomos para o último jogo. Teve o pênalti, gols anulados, bola na trave, uma série de situações que não se compreende. Vai somando isso, aí tu começas a fazer uma conexão: “Caramba, acabou o jogo em São Paulo”. Aí depois nós vimos, todos jogadores em grupos olhando pelo telefone. Fizemos eles sofrer um pouquinho. Mas não é isso que nós queríamos. Queríamos conquistar, vencer. É meu terceiro vice no Inter do Brasileiro, e a gente não conseguiu. Os caras mereciam, porque foi um time de caras dignos, time de operários, lutaram até o último minuto, mas infelizmente tiraram, eu considero, de forma absurda, ainda mais que depois o presidente relatou o que ele ouviu no VAR no jogo do Flamengo. Que ele disse que o Claus cita duas vezes “eu vi bola”, o bandeira numero 1 que estava na minha frente, ele responde: “Se você viu bola, é amarelo”. Aí, o VAR diz: “Não, teve sola, vem aqui olhar na câmera lenta”. O próprio jogador do Flamengo desmente que foi agressão. Mas dói, sempre vamos lembrar que chegamos a ficar 12 pontos do primeiro, que era o São Paulo. Daqui a pouco, estamos a dois jogos do fim, contra o segundo colocado, com um ponto na frente. Acho que estava muito próximo e óbvio que isso deixa marca.
Incomoda saber que o VAR está interferindo no jogo e talvez tirando a autonomia do árbitro?
Acho que o VAR causou mais decepção do que coisa boa. Primeiro que você não vê em lugar nenhum do mundo um jogo que fica parado por cinco minutos. Não dá para explicar isso. Se o árbitro não viu a situação de momento importante, aí que ele deve chamar, a partir do momento que ele tem convicção. É difícil para o árbitro. Se ele é figura máxima dentro do campo ele que tome a decisão. Se ele acha que é duvidoso aí fala com o bandeira, se também fica com dúvida, aí consulta. Isso da consulta do VAR é igual ao povo brasileiro, como está a nossa política, nossa Supremo, é uma bagunça total. Algo que é para ajudar, no fundo, só prejudica. Aí para tudo. Ou então você define profissionalizar os árbitros, porque na questão do nosso jogo contra o Flamengo era o árbitro número 1 da Fifa a nível sul-americano. Ele fala uma coisa, o bandeirinha confirma e ele muda de opinião no VAR. Isso é muito esquisito. Quem vai pagar por isso? 41 anos. Para o Inter seria importante. O Inter vem daquela segunda divisão de uma administração caótica, e o Marcelo pegou de maneira difícil. Agora, o presidente que assumiu tem que arrumar solução. Quem pagou por isso? O Inter que não tem culpa de nada, o Inter que foi lá, jogou, teve pênalti, gol anulado, fez bons jogos. Só quero perguntar o único prejudicado? É o Inter.
Isso da consulta do VAR é igual ao povo brasileiro, como está a nossa política, nossa Supremo, é uma bagunça total
Você sente que tiraram o título do Inter?
Tiraram. Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Não estou dizendo que foi de maldade ou que são desonestos. Eu particularmente acho que o Claus está entre os melhores do país. Não é por aí, mas foi um prejuízo grande. Os erros foram somente direcionados para um lado, contra o Inter. Aí, vêm os analistas de resultados e falam que perdemos para o Sport. Mas o Flamengo também perdeu para o Ceará. Isso acontece com todos os times campeões. O difícil de acontecer é estar a 12 pontos do primeiro colocado, engrenar uma sequência de nove vitórias. Então eu penso assim, sem maldade, desonestidade, mas estava direcionado só para um lado.
Por Eduardo Deconto e Tomás Hammes